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22 janeiro, 2007

Pátio Gaivota

A fotografia é de autoria da Alexandra Gil. Pode ouvir a minha declamação (desta vez caseira) deste poema, aqui: Pátio Gaivota



Apercebo-me que estou perto.

Um arrepio atravessa-me.
Há muitos anos não estou tão próximo
deste lugar incerto.
Saí de casa um menino,
procurando a lucidez
entre o sábio e o divino,
encontrando na viagem,
nitidez.
Ali está ela,
a casa do canto,
com a mesma porta...
e à volta dela
o mesmo encanto,
do perdido Pátio Gaivota...
Nos vasos, outras flores,
no ar, já sem o veneno
das passadas dores,
transpira um trapo
mais sereno...

A porta abre-se,
revela uma criança de sorriso ardente,
o mesmo sorriso ingénuo
agora de mim tão ausente!
É filha de alguém feliz!
Refugio a vergonha
por detrás de um cigarro,
e quando de lá dentro alguém diz
"Cuidado com algum carro!"...
a criança sonha!
O infante brinca indiferente,
alheio à minha tortura,
infligida pela lembrança
da negrura
desse Pátio Gaivota
do meu tempo de criança!
E este olhar pungente
o meu saber não enxota!
A criança passa correndo
e sou eu que vou lá,
brincando,
ardendo,
sonhando,
perdendo,
fumando,
esquecendo...
que a criança sofrendo,
afinal,
já lá não está.


Rui Diniz

10 comentários:

Minda disse...

Belo este poema. Como, aliás, já seria de esperar... ou não fosse o autor um poeta que tem o dom da palavra escrita.
Parabéns Rui. Duplamente (um é pelo Lucidez! Um espaço que promete).
Até breve. Nos encontraremos lá pela Poesia Vadia, no próximo dia 27 de Janeiro.

RD disse...

Estou muito feliz pelo seu comentário! :-)

Aguardo ansiosamente por mais um Poesia Vadia, Momento em que se deixam as máscaras em casa e levamos os nossos sonhos a passear.

Até lá!
(E desta vez, penso não ser preciso imprimir-me os textos :-D)

Menina Marota disse...

"...A porta abre-se,
revela uma criança de sorriso ardente,
o mesmo sorriso ingénuo
agora de mim tão ausente!
É filha de alguém feliz!"

Como se pode comentar tais palavras?

Adorei a declamação. Dá Vida ao poema...

Um abraço e vim desejar-te mil felicidades para o Lucidez... já lá estive e foi uma agradável surpresa... Parabéns ;)

RD disse...

Agradeço mais uma vez, Marota! O seu apoio é muito revigorante! :-)

Esperemos que o Lucidez propicie o questionamento e o debate... foi para isso que o criei! :-)

Participe! O Lucidez é um espaço de todos!

bolas de sabão disse...

:)

as velas ardem ate ao fim disse...

É filha de alguém feliz!


Lindo simplesmente.

Isabel disse...

Ser filho de alguem feliz, não imagino o que seja...
Sou filha de uma mãe infeliz e de um pai sábio e mais infeliz ainda.
Sou filha de uma mulher carente e de um homem naturalmente solitário.
Sou filha de uma mulher nascida para ser mãe e de um homem nascido para buscar eternamente.
Ensinaram-me os dois muito nenhum me soube ensinar a ser feliz... nenhum sabe o que isso é... e agora eu tambem não.
O teu pátio das gaivotas era Vivenda Oliveira para mim .
Em mim a criança sofrendo ainda lá está ( tive que me encher de coragem para falar sobre isso mas fi-lo no meu post REVOLTA E VIDA.
Deixo-te com mais um poema que me toca especialmente.



Evocação
I

Não memorizo aldeias
Nem aldeões:
Meu cabelo ao vento
– lúcido, tardio –
Exibe o corte,
a ruptura
a outra margem;
A imagem destorcida em mim
Não é doce nem crédula:
Pus a vida acima da Era
O corpo acima da cela;
Os pés acima do cavalo
... e, se assim não fosse,
aí sim, seria errado.

II

Mar. Terra. Cana. Terra-Seca:
Não é preciso ir muito, para ser estranho...
Das entranhas do dia, nasço
– não se nasce do nada,
se surge do ambíguo.

Não tardo nem contento, contemplo;
E o chover não mais distrai
O piscar de olhos
– rebento do adeus
sem vestígios.
Ah, atordoar infantil!
Versos de outrora conjugados, lentos
Nada mudou......
ainda me sou,
rebentar violento.

III

Pernas acima da Terra.
Pó por cima de nós, dos sóis, dos séculos
(e não há outra ruptura
senão ser girassol!)
O cavalo segue abaixo, distante
Não é preciso estar acima,
para estar melhor...
Não me abarco
E piso,
Como quem pisa um tapete, nuvens
Detendo nas mãos um telefone...
O que ferirá mais, senão a palavra?
Palavra dúbia.
Anti-prece.
Anti-deus.

IV

Contemplo. A chuva. O guarda-chuva. A náusea.
Nos olhos pardos, o passado pesa...
E há ferida: quanta dor inflama!
Quisera não ser eu,
poeta ou passo;
Palácio erguido num confuso brio:
Meus sonhos são faces do céu que crio
Poemas ávidos, avós reversos...
... e isso, ninguém sabe.

V

Na timidez, procuro-me só:
Assim sou no extenso vão da palavra!
Quisera ser morena, alva – viúva
Tudo menos poeta e colibri:
Pousar e ser única– aldeã!
Talvez feliz.

VI

Campo, campina. Galo-de-Campina.
Há tanto, tantas lembranças mortas...
O verde sucumbiu aos olhos
Que, no chão, semeiam concreto.
Na outra margem,
lá, sempre lá,
Fico. Reservo. Esqueço...
Lanço ao rio o tonel
o túnel de meus anos.
Não hei de lembrar, como sempre.

VII

Padeço muito e lento,
muito lento.
Se chuvas, lágrimas, seres,esvaem-se,
algo fica...
Certas canções não sanam as lacunas do tempo;
Tempo-corpo, poema.
(Ah, se não fosse sopro, não fosse águia, cerveja...
se talvez flechas, não telefone...
se apenas mulher... não essa sina!)

VIII

Cruzar bares, mares, risos
E na outra margem
a palavra está...Cardíaca,
a alma reclama
Seu desejo último
– ávida, certa.

IX

Vivo;
Como isso não diz muito, adeus...
Sempre planícies por trás de serras
E rio entre montes;
sigo.
Não responda o adeus
(nem a deus peço):
Sempre mais uma ponte e um riacho
E um cavalo para domar...

X

Só,
Mas há outra margem;
E, por ser ainda crédula,
Um novo deus

Virgínia Celeste Carvalho

Até breve.

Isabel

Chama Violeta disse...

Parabéns,lindo poema!!!Bom final se semana...

david santos disse...

Olá!
Rui, como estava de passagem, entrei. Não vou arrependido. Este teu "Pátio Gaivota" é um espectáculo. Adorei.
Parabéns e bom fim-de-semana.

Casa Inabitada disse...

olá...

meu namorado estava procurando meu nome no google e achou meu poema em seu blog... prazer! sou Virgínia Celeste Carvalho e sinti-me muito feliz em vê-lo, ao saber que ele diz algo de feliz a alguém.
meu email é vcellestte@gmail.com

se quiser contatar-me,

abraços