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30 junho, 2006

A Lição

Temos um professor e uma turma de alunos. Após os exames e devidas avaliações, o professor atribui as notas finais. João, um aluno, pede explicações pois não compreende como ele, que se aplicou tanto aos estudos e que tem a matéria na ponta da língua e bem compreendida, teve a mesma nota, 13 valores, que um outro, o Bruno, que se desleixa com os estudos, não presta atenção à aula e falta com frequência. O professor, sabedor das voltas e curvas do modus operandi da criança interior, pede que o aluno o acompanhe para uma sala à parte e explica-lhe:
“João, tu és mesmo o melhor aluno da turma. Para além disso, és calmo e sereno, sorris sempre na aula. Sempre demonstraste uma atenção excepcional e uma compreensão acima da tua idade. Diz-me, o esforço que fizeste nos estudos foi para agradar a quem em ti investe ou para obter reconhecimento do teu trabalho?”
“Os dois: eu quero agradar a mim próprio, ao professor, aos meus pais, aos meus colegas e ter o devido reconhecimento, fruto desse esforço.”
“Certo, João. Diz-me outra coisa: é verdade que os teus colegas te pedem muitas vezes ajuda para os trabalhos de casa e para os exames?”
“Sim, professor, é verdade.”
“E sabes, João, que o Bruno sente inveja de ti por não ser como tu?”
“Já tinha reparado, mas nunca pensei muito nisso – ele é sempre tão bruto com as pessoas e não liga nenhuma à escola nem aos pais nem a quem se aproxima dele com amizade… que culpa tenho eu de ele ser assim?”
“Absolutamente nenhuma João. Tu apenas estás na posição correcta para o ajudar. Queres ajudá-lo?”
“Sim, queria que ele não fosse sempre assim para com os outros…”
“…nem para ele, não é?”
“Sim, professor, ele também não é feliz assim.”
“Muito bem João. Agora verifica isto: tu tens o reconhecimento fruto do teu trabalho nos pedidos constantes de ajuda para os deveres escolares por parte dos teus colegas. Tu sabes por eles, por ti e por mim, que és o melhor aluno. Agradas aos teus colegas por isso e pela tua serenidade. Agradas-me pelo mesmo. Agradas aos teus pais porque eles sabem que te educaram com sucesso e que grandes coisas te esperam, mesmo que não escolares – sabes que a vida tem a sua forma de nos presentear. Não agradas ao Bruno apenas porque ele não vê, por todos os factores que rodeiam a sua vida, que o que tu tens é apenas um fruto de uma semente colocada em terreno fértil e devidamente regada e acarinhada. Por isso ele tem inveja. Por não saber que esse fruto, essa consequência, essa paz, também pode ser dele.”
“Sim, tem razão…”
“Se lhe deres a tua serenidade e sorriso perante uma aparente injustiça em que ele se sente ao teu nível finalmente, dás-lhe o braço para ele se agarrar e pisar terra firme finalmente.”
“Compreendo, professor, mas porque me pede esse sacrifício?”
“Sacrifício?” – o professor sorri abertamente – “Fecha os olhos e vê dentro de ti o acontecimento, sente-o e diz-me, do topo da tua serenidade, se é um sacrifício.”
João fecha os olhos e assim fica durante um minuto inteiro. Sorri, como quem acabou de nascer para um dia num paraíso qualquer, e diz ao professor ainda de olhos fechados:
“Não, não é sacrifício algum. É a minha função, a minha missão.”
O professor ergueu ligeiramente o braço, de palma aberta apontando carinhosamente o caminho de volta à sala de aula.
Chegados lá, o João disse:
“Peço desculpa. Sou de facto merecedor desta nota, tal como o Bruno.”
Bruno tentou conter uma expressão de espanto enquanto o resto da aula entrava em alvoroço, se revoltava contra o professor e tentava convencer o João de que a sua afirmação estava errada, ele era merecedor de melhor nota! O professor manteve-se em silêncio, calado, olhando os seus papéis na secretária. João manteve a tranquilidade, o sorriso e olhou para o Bruno com total abertura e paz interior – o que quer que ele fizesse naquele momento, seria acolhido com total aceitação. Bruno equivocou-se por uns instantes - não compreendia porque nascera nele repentinamente naquele olhar uma sensação de leveza nunca antes experimentada. A aula já se tinha calado, contemplando a estranheza do olhar entre aqueles dois colegas tão antagónicos entre si, tão opostos, mas que no entanto, ali no silêncio, eram tão iguais. Finalmente, na face do Bruno desvaneceu-se a expressão de espanto e resistência e ele levantou-se e disse com um sorriso nunca antes testemunhado por ninguém naquela escola:
“Não, Sr. Professor. Dê a nota que o João merece pelo seu trabalho. Eu, por outro lado, tenho passado pela vida completamente embrenhado na ilusão de que existem pessoas melhores e pessoas piores. Eu apenas preciso de encontrar o meu lugar. Dê-me a negativa que mereço e para o ano, tentarei fazer melhor.”
A turma inteira sentiu aquele momento envolvê-los e ficaram mudos e quietos. O professor olhou para o João primeiro, num olhar cúmplice, e depois encarou o Bruno dizendo apenas:
“Assim farei, amigo Bruno. Assim farei.”


Rui Diniz

6 comentários:

Poesia Portuguesa disse...

Parabéns pelo blog, foi uma descoberta muito interessante. Voltarei...

;)

Anónimo disse...

:)

António Melenas disse...

Olá Rui
Devia ser assim, devia... ms, porém, todavia, contudo... Só com uma lupa de grande alcance!

Obrigado pelos comentários no meu Blogue
Abraço
António

RD disse...

Caro amigo,

Sendo verdade que esta história é uma parábola e que representa "o quedevia ser" de uma forma purista, já dizia o Gandhi: "Torna-te na mudança que desejas" :-)

Anónimo disse...

Bem, este conto saí um pouquinho do teu "estilo". Ele tem uma luz diferente, possui uma lu mais clara enfim,é difícil explicar os sentimentos no entanto, satisfeita em saber que vc é um escritor de vários estilos ou seja, COMPLETO.
Abraço muita luz
Mª Eduarda

RD disse...

Obrigado Maria Eduarda! :-)