Temos um professor e uma turma de alunos. Após os exames e devidas avaliações, o professor atribui as notas finais. João, um aluno, pede explicações pois não compreende como ele, que se aplicou tanto aos estudos e que tem a matéria na ponta da língua e bem compreendida, teve a mesma nota, 13 valores, que um outro, o Bruno, que se desleixa com os estudos, não presta atenção à aula e falta com frequência. O professor, sabedor das voltas e curvas do modus operandi da criança interior, pede que o aluno o acompanhe para uma sala à parte e explica-lhe:
“João, tu és mesmo o melhor aluno da turma. Para além disso, és calmo e sereno, sorris sempre na aula. Sempre demonstraste uma atenção excepcional e uma compreensão acima da tua idade. Diz-me, o esforço que fizeste nos estudos foi para agradar a quem em ti investe ou para obter reconhecimento do teu trabalho?”
“Os dois: eu quero agradar a mim próprio, ao professor, aos meus pais, aos meus colegas e ter o devido reconhecimento, fruto desse esforço.”
“Certo, João. Diz-me outra coisa: é verdade que os teus colegas te pedem muitas vezes ajuda para os trabalhos de casa e para os exames?”
“Sim, professor, é verdade.”
“E sabes, João, que o Bruno sente inveja de ti por não ser como tu?”
“Já tinha reparado, mas nunca pensei muito nisso – ele é sempre tão bruto com as pessoas e não liga nenhuma à escola nem aos pais nem a quem se aproxima dele com amizade… que culpa tenho eu de ele ser assim?”
“Absolutamente nenhuma João. Tu apenas estás na posição correcta para o ajudar. Queres ajudá-lo?”
“Sim, queria que ele não fosse sempre assim para com os outros…”
“…nem para ele, não é?”
“Sim, professor, ele também não é feliz assim.”
“Muito bem João. Agora verifica isto: tu tens o reconhecimento fruto do teu trabalho nos pedidos constantes de ajuda para os deveres escolares por parte dos teus colegas. Tu sabes por eles, por ti e por mim, que és o melhor aluno. Agradas aos teus colegas por isso e pela tua serenidade. Agradas-me pelo mesmo. Agradas aos teus pais porque eles sabem que te educaram com sucesso e que grandes coisas te esperam, mesmo que não escolares – sabes que a vida tem a sua forma de nos presentear. Não agradas ao Bruno apenas porque ele não vê, por todos os factores que rodeiam a sua vida, que o que tu tens é apenas um fruto de uma semente colocada em terreno fértil e devidamente regada e acarinhada. Por isso ele tem inveja. Por não saber que esse fruto, essa consequência, essa paz, também pode ser dele.”
“Sim, tem razão…”
“Se lhe deres a tua serenidade e sorriso perante uma aparente injustiça em que ele se sente ao teu nível finalmente, dás-lhe o braço para ele se agarrar e pisar terra firme finalmente.”
“Compreendo, professor, mas porque me pede esse sacrifício?”
“Sacrifício?” – o professor sorri abertamente – “Fecha os olhos e vê dentro de ti o acontecimento, sente-o e diz-me, do topo da tua serenidade, se é um sacrifício.”
João fecha os olhos e assim fica durante um minuto inteiro. Sorri, como quem acabou de nascer para um dia num paraíso qualquer, e diz ao professor ainda de olhos fechados:
“Não, não é sacrifício algum. É a minha função, a minha missão.”
O professor ergueu ligeiramente o braço, de palma aberta apontando carinhosamente o caminho de volta à sala de aula.
Chegados lá, o João disse:
“Peço desculpa. Sou de facto merecedor desta nota, tal como o Bruno.”
Bruno tentou conter uma expressão de espanto enquanto o resto da aula entrava em alvoroço, se revoltava contra o professor e tentava convencer o João de que a sua afirmação estava errada, ele era merecedor de melhor nota! O professor manteve-se em silêncio, calado, olhando os seus papéis na secretária. João manteve a tranquilidade, o sorriso e olhou para o Bruno com total abertura e paz interior – o que quer que ele fizesse naquele momento, seria acolhido com total aceitação. Bruno equivocou-se por uns instantes - não compreendia porque nascera nele repentinamente naquele olhar uma sensação de leveza nunca antes experimentada. A aula já se tinha calado, contemplando a estranheza do olhar entre aqueles dois colegas tão antagónicos entre si, tão opostos, mas que no entanto, ali no silêncio, eram tão iguais. Finalmente, na face do Bruno desvaneceu-se a expressão de espanto e resistência e ele levantou-se e disse com um sorriso nunca antes testemunhado por ninguém naquela escola:
“Não, Sr. Professor. Dê a nota que o João merece pelo seu trabalho. Eu, por outro lado, tenho passado pela vida completamente embrenhado na ilusão de que existem pessoas melhores e pessoas piores. Eu apenas preciso de encontrar o meu lugar. Dê-me a negativa que mereço e para o ano, tentarei fazer melhor.”
A turma inteira sentiu aquele momento envolvê-los e ficaram mudos e quietos. O professor olhou para o João primeiro, num olhar cúmplice, e depois encarou o Bruno dizendo apenas:
“Assim farei, amigo Bruno. Assim farei.”
Rui Diniz
“João, tu és mesmo o melhor aluno da turma. Para além disso, és calmo e sereno, sorris sempre na aula. Sempre demonstraste uma atenção excepcional e uma compreensão acima da tua idade. Diz-me, o esforço que fizeste nos estudos foi para agradar a quem em ti investe ou para obter reconhecimento do teu trabalho?”
“Os dois: eu quero agradar a mim próprio, ao professor, aos meus pais, aos meus colegas e ter o devido reconhecimento, fruto desse esforço.”
“Certo, João. Diz-me outra coisa: é verdade que os teus colegas te pedem muitas vezes ajuda para os trabalhos de casa e para os exames?”
“Sim, professor, é verdade.”
“E sabes, João, que o Bruno sente inveja de ti por não ser como tu?”
“Já tinha reparado, mas nunca pensei muito nisso – ele é sempre tão bruto com as pessoas e não liga nenhuma à escola nem aos pais nem a quem se aproxima dele com amizade… que culpa tenho eu de ele ser assim?”
“Absolutamente nenhuma João. Tu apenas estás na posição correcta para o ajudar. Queres ajudá-lo?”
“Sim, queria que ele não fosse sempre assim para com os outros…”
“…nem para ele, não é?”
“Sim, professor, ele também não é feliz assim.”
“Muito bem João. Agora verifica isto: tu tens o reconhecimento fruto do teu trabalho nos pedidos constantes de ajuda para os deveres escolares por parte dos teus colegas. Tu sabes por eles, por ti e por mim, que és o melhor aluno. Agradas aos teus colegas por isso e pela tua serenidade. Agradas-me pelo mesmo. Agradas aos teus pais porque eles sabem que te educaram com sucesso e que grandes coisas te esperam, mesmo que não escolares – sabes que a vida tem a sua forma de nos presentear. Não agradas ao Bruno apenas porque ele não vê, por todos os factores que rodeiam a sua vida, que o que tu tens é apenas um fruto de uma semente colocada em terreno fértil e devidamente regada e acarinhada. Por isso ele tem inveja. Por não saber que esse fruto, essa consequência, essa paz, também pode ser dele.”
“Sim, tem razão…”
“Se lhe deres a tua serenidade e sorriso perante uma aparente injustiça em que ele se sente ao teu nível finalmente, dás-lhe o braço para ele se agarrar e pisar terra firme finalmente.”
“Compreendo, professor, mas porque me pede esse sacrifício?”
“Sacrifício?” – o professor sorri abertamente – “Fecha os olhos e vê dentro de ti o acontecimento, sente-o e diz-me, do topo da tua serenidade, se é um sacrifício.”
João fecha os olhos e assim fica durante um minuto inteiro. Sorri, como quem acabou de nascer para um dia num paraíso qualquer, e diz ao professor ainda de olhos fechados:
“Não, não é sacrifício algum. É a minha função, a minha missão.”
O professor ergueu ligeiramente o braço, de palma aberta apontando carinhosamente o caminho de volta à sala de aula.
Chegados lá, o João disse:
“Peço desculpa. Sou de facto merecedor desta nota, tal como o Bruno.”
Bruno tentou conter uma expressão de espanto enquanto o resto da aula entrava em alvoroço, se revoltava contra o professor e tentava convencer o João de que a sua afirmação estava errada, ele era merecedor de melhor nota! O professor manteve-se em silêncio, calado, olhando os seus papéis na secretária. João manteve a tranquilidade, o sorriso e olhou para o Bruno com total abertura e paz interior – o que quer que ele fizesse naquele momento, seria acolhido com total aceitação. Bruno equivocou-se por uns instantes - não compreendia porque nascera nele repentinamente naquele olhar uma sensação de leveza nunca antes experimentada. A aula já se tinha calado, contemplando a estranheza do olhar entre aqueles dois colegas tão antagónicos entre si, tão opostos, mas que no entanto, ali no silêncio, eram tão iguais. Finalmente, na face do Bruno desvaneceu-se a expressão de espanto e resistência e ele levantou-se e disse com um sorriso nunca antes testemunhado por ninguém naquela escola:
“Não, Sr. Professor. Dê a nota que o João merece pelo seu trabalho. Eu, por outro lado, tenho passado pela vida completamente embrenhado na ilusão de que existem pessoas melhores e pessoas piores. Eu apenas preciso de encontrar o meu lugar. Dê-me a negativa que mereço e para o ano, tentarei fazer melhor.”
A turma inteira sentiu aquele momento envolvê-los e ficaram mudos e quietos. O professor olhou para o João primeiro, num olhar cúmplice, e depois encarou o Bruno dizendo apenas:
“Assim farei, amigo Bruno. Assim farei.”
Rui Diniz