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26 julho, 2012

Irremediavelmente

Irremediavelmente,
vazio.
Por isso, é tanta a minha criação
sobre este meu universo perceptível
do qual sou centro único, insubstituível.
Como um Monge crio tudo - e de tudo! -
para que tudo tome o lugar essencial da Existência ausente
sobre a qual aplico,
cuidadosamente,
o alcatrão terraplanante.

Fica tudo por igual.
Limpo e reluzente!...
Vazio,
irremediavelmente.

Todas as palavras que alguma vez escrevi
- como estas, que são lidas agora -
e que apresentam consigo a detergência,
desinfectada e certificada pelo vazio parasítico
da excelência,
tiveram sempre a benesse presente
da lama que Existe mesmo,
que sobrevive - subsiste ainda! -
por baixo de todo o peso irreal
não só do que já passou a ser
- por nosso hábito somente! -
mas também do que não é nem será nunca existente.

O hábito faz o Homem.
O Homem faz o Monge.
O Monge faz o peso morto do que não é
por cima da leveza natural do impulso vivo!
O Homem É, o Monge NÃO!
O Homem VIVE, o Monge SONHA!

A diferença no meu passo-a-passo
é que o meu gesto andante não é minha pertença.
Não aspiro ao domínio completo do Universo à minha sentença,
principalmente porque tentá-lo seria perdê-lo inteiramente:
enquanto agora farejo distintamente
o que por baixo dele vive,
tentando,
mataria à percepção
a distinção entre ele
e o que por baixo dele vive.
Esta lama que salpica da poça para o meu passo
quando o meu passo pela poça passa
é, irremediavelmente, a lama sagrada!
Pois ela é que suja o vazio com o que Existe!
Ela é que dá valor à pobreza da passada!
Ela é que tinge a invisibilidade
com todas as cores misturadas,
como quando um pintor não contém as pinceladas!
A lama é que me tem! É ela capaz de alcançar a parte viva de mim!
Porque se enquanto Homem o meu passo pela poça passa,
é porque a poça em si mesma tomou para sua posse o meu passo!
A lama suja-me a passada,
limpando dela a pestilência estéril do Monge alcatroado,
deixando um Homem nu, somente...
vazio ainda...
irremediavelmente.

Hei-de criar tudo
e deitar tudo abaixo no mesmo instante!
Inspiração e Expugnação!
E o vazio há-de ser Homem! E vida!
E as palavras que escreverei serão perante a celebração
de uma Existência em concreto!
Farei então parte de um mundo completo,
antepassado esse
que é para nós um marginal!

Viva o Animal !
Viva o Animal !!
Viva o Animal !!!...
que é Homem subconsciente...

irremediavelmente!

Rui Diniz

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