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01 agosto, 2012

Lvsit'Ana



A tua envolvente natureza pueril
que enche a beleza do espaço esquecido,
vive manchada pela flor seca e rasgada
do amor perdido.
O teu sorriso não é o mesmo desta vez,
Viriato não está contigo... ele morreu.
Roma matou-o e conquistou-te.
O ardil célebre de Saturno roubou o poema ao teu corpo
e rasgou-o com o punhal traiçoeiro, na calada de uma noite.
Desde então tu tens medo dessa noite, tal como da noite de agora.
Nunca mais descansou a tua mente perante a escuridão dessa hora
porque a noite ficou aí marcada de vermelho, salpicada,
e tu permaneceste lá, à sombra dela e desse momento,
sob grades de olhos mareados por ondas de água-dor derramada...
que nunca estancaste.
Tu... tu que amaste,
soubeste que nunca curarias o lamento,
soubeste que nunca serias de novo amada,
compreendeste com uma certeza pétrea que o momento
em que o teu destino se traçou,
foi procurares o teu Rei naquela madrugada.
Os seus olhos não se voltaram a abrir,
tal como os teus não mais secaram.
O luto fechou-se sobre a vontade do teu corpo
e manteve os pensamentos onde as mágoas os fecharam...
Sucumbiste à inalterável realidade à tua frente
diante da qual deste à luz a tua sombra...
A criança sorridente foi perder-se ao bosque amaldiçoado
para que em ti o crime irreversível jamais fosse perdoado!

Então e a fúria?! E o ódio?! E a violência
com que as labaredas então se ergueram do teu ventre,
para consumir o império todo num ápice?!
Juraste vingança bebendo o sangue amado com um cálice!!
Juraste vingança jurando que o sangue derramado seria o deles!!
E aprendeste, no contorcionismo dos espasmos de um único pensamento,
que a tua sede jamais seria saciada!!
Roma violada!! Roma destruída!! Roma queimada!!
Vingança!! - gritaste - Vingança!!
Pois com a morte da Esperança, cujo corpo inerte se quedava no chão,
só te restava a maldição de matar!!
Mate-se o legionário!! E o centurião!!
Derrube-se o império sob a tua mão!!
Foi então que juraste, com todo o teu ser:
lutarás o império, até na luta morrer!...

A morte... incontornável, ela por fim te chegou...
mas da tua existência jamais se apagou a noite,
em cuja madrugada procuraste o Rei, teu amor
e encontraste as vis certezas da morte.
Entende que não há lei para o mais forte.
Roma duplamente venceu,
pois no luto do teu véu de jurada vingança
caíste nos braços secos e frios da mesma sorte
que levou Viriato, que outrora seguia a tua dança.
E hoje, momento em que a paz te podia ter chegado afinal,
tu és Roma, esse inimigo fatal
cujo cruel ardil de Saturno roubou o poema ao teu corpo.
Viriato está morto. Morto e queimado.
E tu afirmas que ele não deixou de ser,
que não é eterno o seu estado...
mas ao teu corpo não voltou a poesia
que só a ele deixavas ler.

Lvsit'Ana, meu amor, mulher brava e bela!
O teu Viriato tantas vezes renasceu.
Mas tu quando o olhas, és como a sentinela
que o seu corpo reconheceu.
Sem te aperceberes,
Roma tomou-te na madrugada,
na primeira
da última vez em que viste o teu amor.
E o império fez então de ti sua soldada
quando Saturno roubou a poesia
à tua mente violada.
Mas a Poesia vive em ti,
na beleza do espaço esquecido
que nunca em ti findou.
Basta que soltes Roma
da madrugada em que te tomou.
Pensas que tua envolvente natureza pueril
nunca terá existido,
manchada que foi pela flor seca e rasgada
do amor perdido.
Mas a fonte do teu brilho de outrora
até mesmo à morte resiste,
pois ela é a qualidade
mais real e intransigente
de tudo
o que em ti existe...


Rui Diniz

1 comentário:

manuela barroso disse...

Nunca é demais ouvir!
Obrigada, Rui Diniz !